Certa vez, ouvi de um aluno uma frase que me assombraria por muito tempo. Foi logo no início da minha carreira como docente. Eu havia terminado a aula e organizava minhas coisas para sair da sala; ele se aproximou de mim e disse: “O senhor é o melhor professor que eu já tive, pena que foi dar logo essa matéria”. Fiquei chocado, e não pelo fato de ser chamado de “senhor” aos 22 anos nem pelo que a fala dizia a meu respeito, mas pelo que dizia da disciplina. Se havia entendido bem, aquele jovem estava lamentando o desperdício que era ter um professor com quem se identificava dando aula de bioquímica, o que significa que não julgava a matéria digna desse privilégio.

A maioria dos estudantes não gostava de bioquímica, um fato desolador que ficou cada vez mais claro para mim a partir daquele episódio. Não que eu achasse que todos deveriam ter a minha empolgação sobre o assunto; o que assustava era a completa aversão ao tema. Por muito tempo me pareceu tão inconcebível não se encantar com a forma como as coisas vivas funcionam nos seus detalhes mais misteriosos que eu ignorava os elevados índices de reprovação e os apelidos maldosos que a matéria ganhava nos corredores.

Lembrei-me, porém, de que também para mim as biomoléculas se mostraram antipáticas ao primeiro contato, só depois veio a paixão. Foi assim que assumi, como professor, uma missão que ia além de ensinar: a de fazer as pessoas gostarem de bioquímica! E por gostar não quero dizer aprender, são coisas distintas. Gostar, às vezes, é até mais importante, pois ajuda a reconhecer o verdadeiro valor das coisas. Assim, quando tive a ideia de escrever este livro, não foi com a intenção de fazer dele um livro didático, mas de inserir conceitos científicos em uma experiência prazerosa de leitura e imaginação.

Comecei a escrever esta história sem muita certeza do que seria dela, mas, à medida que fui criando os personagens, eles tomavam consciência de si e passavam a impor o que deveria ser escrito, rebelando-se quando o rumo da trama não os agradava, a ponto de me fazerem apagar páginas inteiras. Fui, assim, ousando transpor os objetivos iniciais e abordando temas e situações que surpreendiam a mim mesmo, passeando entre dramas humanos e conflitos morais num encontro entre arte e ciência.

Apesar da premissa principal, bem como muitas cenas do livro, embasar-se em conceitos técnicos bem-estabelecidos e em tecnologias existentes, alguns exageros ficcionais foram cometidos a fim de construir um enredo intrigante e envolvente. De novo: a ideia sempre foi usar a mágica e a milenar arte de contar histórias para apresentar esses conceitos e tecnologias, não ensiná-los.

O resultado disso tudo — deixo a modéstia de lado para admitir — me é motivo de muito orgulho. Isso porque, apesar de um pouco disléxico com a gramática, gosto de escrever desde criança. Cresci criando contos, crônicas, fábulas e até alguns romances, mas sempre para mim mesmo. Esta é a primeira vez que compartilho minha criatividade literária com o mundo.

Num país que precisa urgentemente aumentar o número de leitores, espero que a corajosa — pelo menos para mim — decisão de expor minha obra possa contribuir, ainda que timidamente, nesse sentido. Não sei o que meus alunos atuais acharão disso nem teria como antecipar suas expectativas, mas certamente escrevi um livro que eu gostaria de ler.

Prefácio do autor